Paracetamol não provoca Autismo

24/09/2025 Deficiência Intelectual, Destaques, Notícias 0

Militante e deputada Andréa Werner criticou duramente a associação do Paracetamol com o autismo.

A temática da pessoa com deficiência é extremamente complexa e precisa ser tratada como tal por todos os atores envolvidos, sejam os próprios deficientes, seus familiares, profissionais de saúde ou chefes de Estado. Infelizmente, nem sempre é o que ocorre. Semana passada, por exemplo, o Secretário de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos, Robert F. Kennedy Jr., o equivalente a Ministro da Saúde daquele país, anunciou que o Governo Norte-Americano faria um anúncio sobre descobertas relativas ao Transtorno do Espectro Autista (TEA – saiba mais sobre o transtorno aqui), na última segunda-feira, 22, sem fornecer mais detalhes. Criou-se assim uma enorme expectativa de que a comunidade científica dos Estados Unidos, que investem milhões de dólares em pesquisa sobre o tema, teria feito uma descoberta significativa.

Contudo, a segunda-feira chegou e o presidente Donald Trump, ao lado de Robert F. Kennedy e outras autoridades de saúde, em pleno Salão Oval da Casa Branca, anunciou que o FDA (Food and Drug Administration), a Anvisa deles, notificaria os médicos norte-americanos de que o uso do Paracetamol, o princípio ativo do Tylenol, considerado a única opção segura de venda livre para casos de febre ou dor em gestantes, durante a gravidez, “pode estar associado a um risco maior de autismo”. Trump, referindo-se a uma suposta “epidemia de autismo”, também apontou seu canhão de críticas para o uso excessivo de vacinas em bebês como mais um possível catalisador do autismo. O anúncio foi duramente criticado por estudiosos e familiares de autistas, assim como pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que refutou totalmente o Tylenol e as vacinas como causas do TEA.

A fala do presidente norte-americano, um notório negacionista das vacinas e da ciência, foi vista como bastante prejudicial à luta das pessoas autistas. Kristyn Roth, diretora de marketing do grupo Sociedade de Autismo da América, criticou a ação do Governo. “Chamar o aumento das taxas de autismo de epidemia é incrivelmente irresponsável e profundamente preocupante”, afirmou. Ela chamou a atenção para a criação de um clima de medo e paranoia em torno do tema e da estigmatização das pessoas autistas. No Brasil, as reações também foram muito pesadas. A psicóloga, neurocientista e Mestre em ABA, Mayra Gaiato, e seu marido, o médico Rodrigo Silveira, escreveram em seu perfil oficial no Instagram (@mayragaiato) que “estudos robustos com milhões de participantes deixam claro: não há relação causal entre paracetamol ou vacinas e autismo”. Mayra foi além: “o que Trump disse gera culpa em mães e desvia o foco do que realmente importa: o cuidado e a reabilitação”.

A deputada estadual Andréa Werner (PSB/SP), autista, fundadora do Instituto Lagarta Vira Pupa e mãe do adolescente Théo, autista, também utilizou a plataforma Instagram (@andreawerner) para se pronunciar sobre a afirmação de Donald Trump. Andréa classificou a fala do presidente norte-americano como “Fake News”. “Nos últimos anos tem sido comum espalhar mentiras (Fake News), desinformação, negacionismo científico e, com isso, o movimento antivacina ganhando força. Quando o assunto é saúde, precisamos confiar no que a medicina e a ciência dizem”. Ela cita uma pesquisa da Revista Jama Network, de 2024, que acompanhou mais de dois milhões e meio de crianças desde 1995, que constatou que não há nenhuma relação entre o uso do Paracetamol durante a gestação com o autismo.

As opiniões contrárias à fala oficial do Governo dos Estados Unidos não pararam com Mayra Gaiato e Andréa Werner. A Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), no site do Jornal de Brasília, reforça que o Paracetamol é seguro e que tratar dor e febre na gravidez é essencial para a saúde da mãe e do bebê. Segundo eles, alguns estudos apontam associações estatísticas, mas não comprovam relação de causa e efeito. A associação Autistas Brasil também repudiou as declarações de Trump e destacou que o aumento de diagnósticos, nas últimas décadas, reflete maior acesso à avaliação e não uma epidemia. Ela cita a mesma pesquisa da Revista Jama e fornece mais detalhes: entre 1995 e 2019, um total de 185.909 foram expostas ao Paracetamol durante a gestação. Modelos iniciais sugeriram pequeno aumento do risco de autismo, TDAH e deficiência intelectual, mas, ao comparar irmãos da mesma família, não houve associação significativa. Ao comparar bebês expostos ao paracetamol com seus próprios irmãos não expostos, a pesquisa constatou que crianças cujas mães usaram o medicamento na gravidez não apresentaram maior risco de autismo em relação aos irmãos nascidos de uma gravidez sem uso de paracetamol. “Comparar irmãos ajuda a reduzir a influência de diferenças genéticas e ambientes”, explica Vinicius Barbosa, psiquiatra especialista em transtornos do desenvolvimento infantil e coordenador do subnúcleo de Autismo do Hospital Sírio-Libanês.

O autismo em pessoas adultas é um tema que precisa ser mais estudado e pesquisado.

O neuropediatra Paulo Liberalesso, especialista em TEA, deficiência intelectual e TDAH, reforça que a ciência já identificou as principais causas do autismo, que não incluem o paracetamol. São elas: autismo genético, que corresponde a cerca de 97% dos casos; autismo sindrômico, quando faz parte de uma síndrome maior, como síndrome de Down ou do X frágil; e autismo lesional, causado por lesões cerebrais no feto decorrentes de infecções virais ou toxoplasmose durante a gestação. “Mesmo que alguns medicamentos aumentassem levemente o risco, isso afetaria uma quantidade extremamente pequena de pessoas, enquanto a imensa maioria dos casos tem origem genética ou sindrômica”, explica Paulo Liberalesso. O neuropediatra e professor de pediatria da Universidade Federal Fluminense (UFF), Márcio Vasconcelos, considera que as declarações foram apressadas. “Achei a declaração do presidente Trump precipitada. Parece querer encontrar uma explicação rápida”, afirma o médico, que é membro do Departamento de Neurologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

“Uma vez que a desinformação se espalha, é difícil corrigi-la. Pais podem recorrer a terapias alternativas ineficazes ou inseguras em vez de apoios comprovados”, afirmou Giacomo Vivanti, professor associado e coordenador do Programa de Detecção e Intervenção Precoce do AJ Drexel Autism Institute, da Universidade Drexel, nos EUA. Ele alerta que declarações como a do presidente Trump podem gerar confusão sobre o que a ciência realmente mostra e reduzir a confiança da população em profissionais de saúde, pesquisadores e instituições. No Brasil, o Ministério da Saúde classificou como infundadas as informações que associam autismo ao medicamento, alertando que isso pode gerar pânico, prejudicar a saúde de mães e filhos e levar à recusa de tratamento em casos de dor e febre. Ao fim e ao cabo, as palavras “precipitada” e “irresponsável” parecem ser as melhores definições para a declaração oficial do Governo dos Estados Unidos.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que existam cerca de 70 milhões de pessoas autistas no mundo e este número tem sofrido um aumento alarmante, nos Estados Unidos, nos últimos anos. Em 2020, a taxa de autismo dos EUA em crianças de 8 anos era de 1 em 36, ou 2,77%, acima dos 2,27% em 2018 e 0,66% em 2000, de acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA. É possível que este aumento no número de casos tenha precipitado o anúncio do Governo. Porém, é bom lembrar que Donald Trump, em seu primeiro mandato como presidente dos Estados Unidos, 2017-2021, durante a pandemia do Covid-19, acusou a OMS de ter sido manipulada pela China no caso das vacinas e que, no início deste ano, os Estados Unidos abandonaram a agência. No Brasil, o ex-presidente Jair Bolsonaro, aliado ideológico de Donald Trump, criticou fortemente as vacinas chinesas, no período da pandemia, afirmando que elas fariam as pessoas “se transformar em jacarés” e que as vacinas “causariam o vírus HIV”. Em ambos os casos, o negacionismo à ciência e o desprezo pela vida das pessoas. Não por acaso, Estados Unidos e Brasil foram dos países com mais casos registrados de Covid-19.

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