Jovem Cego tecnológico

25/10/2025 Deficiência Visual, Destaques, Notícias 0

Juan e sua esposa Jhennyffer Rebelo

Ele nasceu prematuro de seis meses. Sua mãe tinha 40 anos, idade de risco para uma gravidez, segundo a comunidade médica internacional. No sexto mês, ela sofreu um descolamento de placenta, que fez o órgão “nascer primeiro que o bebê”. Dois dias após seu nascimento, ele foi diagnosticado com um sopro no coração e precisou de uma cirurgia urgente. Não para por aí. O “túnel de visão” entre o cérebro e o olho (uma complexa via de comunicação chamada via visual, responsável por transmitir e processar as informações captadas do ambiente) estava completamente fechado e os médicos apontaram que ele estava cego do olho esquerdo. O [olho] direito enxergava cerca de 80% a 90%, mas desenvolveu catarata e, aos nove anos, perdeu completamente a visão. Este é um resumo bem breve da história de vida de Juan Mathews Rebello Santos, 21 anos. Em suas próprias palavras, “eu sou um milagre, basicamente”. O que seria da vida dele, então?

Sem Barreiras conheceu Juan na rede social Tiktok (@ojovemcego), em que ele publica vídeos sobre sua vida pessoal e sua trajetória profissional. Esses vídeos permitiram mergulhar, embora superficialmente, na vida dele e em sua visão de mundo. Permitiu ainda eliminar alguns mitos sociais acerca da deficiência visual e entender o quanto nossa sociedade é capacitista, mesmo que não perceba nem pretenda. Para começar, Juan é casado há um ano e três meses com Jhennyffer Rebelo, também deficiente visual, e mora em São Gonçalo, município da Região Metropolitano do Rio de Janeiro, a 25km da capital fluminense. O casal não tem filhos, mas pretende ter em breve. Os vídeos de Juan o mostram em atividades domésticas, como lavar roupa, estender, lavar louça, cozinhar, utilizar o forno de micro-ondas e ainda apreciar o calor do sol na varanda da sua casa. Mostra também que o deficiente auditivo pode e deve ter vida autônoma e independente, se divertir, frequentar cinemas e teatros. Para tal, utiliza-se das ferramentas de audiodescrição e da ajuda, quando necessário, das pessoas.

Juan faz questão de incentivar outras pessoas cegas a conquistar sua independência física e financeira e ressalta a importância do respeito. Em um dos vídeos, ele conta que viajava de ônibus, com a esposa, para o Pará e, em um posto de parada, resolveu descer do veículo para comprar um lanche. No caminho, foi parado por um homem que o questionou se ele teria dinheiro, pois o lugar ali era bastante caro. Juan conta ter se sentido muito mal com aquele questionamento. “Eu me senti humilhado”, afirmou. Segundo ele, muitas pessoas associam um cego a um pedinte, mas nem todos passam por dificuldades financeiras. Juan conta como foi sua experiência ao ir com a esposa a uma peça de teatro no SESC São Gonçalo, pela primeira vez. Era uma apresentação do Grupo Expressar, totalmente acessível, que utilizou o recurso da audiodescrição. O casal recebeu um fone de ouvido e, por ele, escutou a narração do que se passava no tablado, em que cinco artistas, três com deficiência e dois sem deficiência, falavam de relacionamentos. Relatou também que está fazendo um curso de fotografia para cegos, algo que nem ele imaginava ser possível.

Em uma sociedade capacitista, a resposta à pergunta que encerrou o primeiro parágrafo é simples e direta: os prognósticos são os piores possíveis, Juan teria uma vida breve e se tornaria um homem triste e amargurado, escondido em casa e incapaz de realizar qualquer atividade profissional. Contudo, a vida discorda totalmente. Sua infância foi tranquila, dificultada apenas pelo processo de adaptação à cegueira. “Não sabíamos lidar com aquilo, porém fui me acostumando”, contou. Ele lembra que sofreu bulling, tentavam tirar sua cueca na escola, o chamavam de cego, caolho, vesgo, “mas eu venci todas essas barreiras impostas pela sociedade”. Aos dez anos, demonstrou interesse foi tecnologia e hoje, com 21 anos, Juan é o primeiro deficiente visual do Brasil a se formar em Defesa Cibernética e Segurança da Informação e o primeiro cego a publicar uma vulnerabilidade no NVD (National Vulnerability Database), mantido pelo governo dos Estados Unidos. O especialista ainda participou da criação do BNVD, o banco de dados de CVEs baseado nos registros do NVD. Segundo ele, o BNVD é um banco alternativo, tal como os que já existem no Japão (JVN iPedia) e na China (CNNVD). O BNVD tem a vantagem de contar com um aplicativo móvel e se torna uma alternativa para o caso dos EUA deixarem de dar suporte financeiro à iniciativa.

A expertise técnica de Juan Mathews é vasta e complexa. Neste ano de 2025, ele anunciou a publicação do livro Golpes Digitais: como se proteger na era da internet, publicado em português e inglês. “Hoje, com lágrimas nos olhos e o coração pulsando forte, venho dividir um momento que carrego como uma grande conquista! Torno-me a primeira pessoa com deficiência visual a publicar um livro nas áreas de Segurança Cibernética e Segurança da Informação”, escreveu no site tabnews. A obra é o primeiro livro de segurança cibernética no Brasil escrito por um deficiente visual, ajudando milhares de pessoas. Em um tempo em que a internet e os computadores invadiram nossas vidas e nossos lares, devemos aprender a nos proteger, pois nem tudo que surfa nas ondas da rede é bom e saudável. O livro visa exatamente à proteção contra malfeitores que buscam os ingênuos e desinformados. Você pode adquirir o livro no site da Amazon, aqui.

Quem está lendo este texto deve estar se perguntando como um cego utiliza o computador e o celular com tanta facilidade ao ponto de trabalhar neles. Juan responde: leitor de telas. Para usar o computador, ele utiliza o programa NVDA, “um leitor de tela gratuito, de código aberto e acessível globalmente para cegos e pessoas com deficiência visual”. Você pode saber mais deste programa, aqui. Para utilização do celular, a ferramenta é o Google Talkback, “recurso de acessibilidade do Android que permite que pessoas cegas ou com baixa visão usem um smartphone através de feedback de voz e toque”. Ele descreve os elementos na tela por meio de voz e usa uma caixa de foco para indicar qual item está selecionado, exigindo que o usuário use gestos específicos para interagir com o dispositivo em vez de toques simples.

Quanto ao trabalho, Juan Mathews mostra seu setup profissional, ou seja, seus equipamentos. Para a gravação dos vídeos, ele utiliza o aplicativo Open Camera e o recurso de detecção facial, presente também em bancos ou aplicativos do Governo. O recurso orienta o posicionamento do celular para o melhor enquadramento da imagem. Feita a gravação, hora da edição. Ele acessa o aplicativo Clipchamp. Ambos os aplicativos são dotados da audiodescrição. Ao tocar em uma tecla, a voz do programa identifica essa tecla e ele sabe o que está fazendo. Finalmente, ainda fazendo uso da tecnologia, Juan cita o aplicativo Be My Eyes para identificação da cor e do tipo de roupa quando vai se arrumar. “Você tira uma fotografia e o aplicativo te dá detalhes de que roupa é aquela, como cor, formato, tamanho”, explicou. “Você também pode pedir ajuda a alguém, mas você vai depender do gosto daquela pessoa e não do seu. O aplicativo me dá essa autonomia”, completou.

Juan Mathews não é um herói, embora a sociedade tenha tentado lhe transformar em coitadinho. Ele é uma pessoa que precisou enfrentar uma série de dificuldades e conseguiu vencer a maioria delas. “Ser deficiente visual em uma área tão técnica e exigente nunca foi fácil. Muitas vezes me disseram que seria impossível. Mas, eu aprendi cedo que as maiores limitações não estão no corpo, estão na mente”. Quem quiser conhecer mais a história do Jovem Cego, pode acessar seu site pessoal aqui.

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