Dez anos da Lei Brasileira de Inclusão

A advogada Tereza Raquel é militante dos segmentos da mulher e da pessoa com deficiência.
Em 6 de julho de 2015, foi sancionada a Lei Brasileira de Inclusão, também conhecida por Estatuto da Pessoa com Deficiência. A Lei no 13.146/2015, que se destina a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania, completou dez anos de existência e teve sua origem na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e Protocolo Facultativo, realizada em Nova Iorque, pela Organização das Nações Unidas, no ano de 2006.
Em 2008, início de sua vigência no plano interno, a convenção foi ratificada pelo Brasil e incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro com status de emenda constitucional, unindo-se a outras legislações existentes, que visam garantir direitos às pessoas com deficiência no país.
De acordo com o Censo/2010, no Brasil, 45.606.048 pessoas se declararam com alguma deficiência, representando 23,9% da população. Esse número incluiu deficiências visuais, auditivas, motoras e mental/intelectual. Estranhamente, o Censo/2022, revelou que o Brasil tem 14,4 milhões de pessoas com deficiência, representando 7,3% da população com 2 anos ou mais. A população apresentada no censo/2010 era de 190.755.799 pessoas e, no Censo/2024, aponta um crescimento dessa população, chegando a 212,6 milhões de habitantes, segundo o IBGE.
No transcorrer dos anos, o Brasil acompanhou as discussões promovidas pelos organismos de cooperação internacional a respeito das formas de identificar a deficiência por meio das pesquisas domiciliares e, a partir de 2010, o IBGE adotou uma investigação dos domínios funcionais como novo meio de entendimento sobre a deficiência, recomendada pelo Grupo de Washington, adequando-a à realidade do Brasil. De acordo com o IBGE, as diferenças metodológicas aplicadas nos Censo de 1991, 2010 e 2022 são significativas entre elas e impedem comparações. Ainda assim, a diferença dos números de pessoas com deficiência entre o censo atual e o de 2010 são exorbitantes. Retornando ao Estatuto da Pessoa com deficiência, a legislação passou um período denominado vacatio legis, de 180 dias após a publicação, compreendido entre sua publicação e a data em que entrou em vigor, o que permitiu que a sociedade e os órgãos públicos se preparassem para sua aplicação, entrando em vigor em 6 janeiro de 2016.
O Estatuto apresenta, dentre outras definições importantes, a de pessoa com deficiência, como sendo aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas.
O Estatuto estabelece o direito à igualdade e da não discriminação, informando que as pessoas com deficiência têm igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerão nenhuma espécie de discriminação, seja em razão da deficiência ou qualquer forma de distinção, restrição ou exclusão, por ação ou omissão, com o propósito ou efeito de prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento ou o exercício dos direitos e liberdades fundamentais a ela inerentes, incluindo também a recusa de adaptações razoáveis e de fornecimentos de tecnologias. Inclui também a proteção contra toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, tortura, crueldade, opressão e tratamento desumano ou degradante. Ainda afirma que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, podendo casar-se e constituir união estável, exercer direitos sexuais e reprodutivos, dentre outros, inclusive fundamentais.
Entretanto, a existência da Lei não é suficiente para que tais direitos sejam efetivados. É imprescindível que a sociedade não somente tome conhecimento da existência da legislação, mas do seu teor, e se proponha à mudança de entendimento quanto à participação da pessoa com deficiência em todos os setores da sociedade, derrubando a barreira atitudinal, modificando a forma como reage ou se comporta em relação à pessoa com deficiência no dia a dia. Entendo a importância da participação da pessoa com deficiência na sociedade para o desenvolvimento de todos.
A desconstrução quanto à forma de ver e agir em relação à pessoa com deficiência é o fator determinante para que a Lei entre em vigor. Esse modo de ver e tratar a pessoa com deficiência, passado de geração em geração, precisa, urgentemente, ser modificado. Não significa dar privilégio, tampouco ser assistencialista, mas tratar de modo isonômico, ou seja, refere-se à igualdade perante a lei e a aplicação justa das normas jurídicas. Segundo Nery Junior, o princípio da igualdade pressupõe que as pessoas colocadas em situações diferentes sejam tratadas de forma desigual: “Dar tratamento isonômico às partes significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades”.
Para a grande maioria, isso pode ser difícil de assimilar. Contudo, é possível garantir essa isonomia ao aplicar a prioridade no atendimento à pessoa com deficiência, quanto à proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; em todas as instituições e serviços de atendimento ao público; o direito à saúde, competindo ao poder público garantir a dignidade da pessoa com deficiência ao longo de toda a vida; o direito ao trabalho de sua livre escolha e aceitação, em ambiente acessível e inclusivo, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas e à habilitação e reabilitação ao mercado de trabalho; o direito à educação de qualidade; o direito à moradia digna no seio da família natural ou substituta, ou em moradia para a vida independente, ou ainda, em residência inclusiva; o direito à assistência e à previdência social; o direito à cultura, ao esporte, ao turismo e ao lazer em igualdade de oportunidades com as demais pessoas; o direito ao transporte e à mobilidade, o direito à acessibilidade, do acesso à informação e à comunicação, da tecnologia assistiva, da ciência e da tecnologia, sem esquecer, o acesso à justiça e do reconhecimento igual perante a lei, tendo assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas.
Apesar da existência da LBI e demais legislações pertinentes, são diversas situações cotidianas que continuam configurando discriminação em desfavor das pessoas com deficiência: a negativa de prioridade no atendimento, de matrícula em escola pública ou privada, de profissional de apoio escolar, ao ter seu direito de pegar um transporte público ou privado negado por estar de cadeira de rodas, negativa de emprego, vagas disponíveis apenas para cargos mais simples, impossibilidade de ascensão a cargos melhores, ser impedido de acessar lugares pela inexistência de acessibilidade em calçadas e imóveis, falta de recursos de tecnologia assistiva, dentre várias outras situação cotidianas que maculam os direitos das pessoas com deficiência. Em outros termos, não mudou muita coisa. Sem propagação de informação e sem exigência no cumprimento da lei, essa mudança continuará sendo tímida.
A adaptação razoável expressa na legislação, são adaptações, modificações e ajustes necessários e adequados, que não acarretem ônus desproporcional e indevido, asseguram que a pessoa com deficiência possa gozar ou exercer, em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas, assim como todos os direitos e liberdades fundamentais. O que ocorre muitas vezes, é que a solução desse problema esbarra na barreira atitudinal, que tem como um de seus argumentos o gasto financeiro para tornar-se acessível. No entanto, ao contrário do que muitos pensam, a pessoa com deficiência também contribui financeiramente para a sociedade e, possibilitar o seu acesso a todos os lugares, oportuniza sua participação em sociedade e consequentemente traz lucro/retorno para quem investiu nesse acesso.
Nos últimos dez anos, como muito esforço, viu-se uma melhoria gradativa dos direitos das pessoas com deficiência, mas a efetivação almejada está longe de ser conquistada. Ainda se coloca o lucro como prioridade, em detrimento da inclusão de pessoas com deficiência na sociedade. A velocidade com que o mundo se impõe em crescer economicamente, deixa de lado quem supostamente não consegue acompanhar esse ritmo. Ainda assim, existem pessoas com e sem deficiência engajadas em oportunizar espaço para quem é tão capaz quanto os demais. E, ao contrário do que muitos pensam, a efetivação desses direitos pode ser mais célere e benéfica para toda a sociedade, bastando para isso, uma mudança de atitude por parte de quem a compõe: ser empático, ser capaz de deixar de lado os próprios julgamentos e preconceitos para se abrir à perspectiva do outro, oportunizar, incluir. O restante, vem depois.
* Texto escrito por Tereza Raquel Meneses, advogada, palestrante e membra da Comissão da Mulher da OAB/CE.
Sem nenhum comentário