Professor acredita que não cabe às novelas aprofundar certos assuntos

13/06/2014 Notícias 0
Professor diz que falta às novelas o tom certo de abordar temas polêmicos, sem exageros ou preconceitos

Professor diz que falta às novelas o tom certo de abordar temas polêmicos, sem exageros ou preconceitos

Luiz Tadeu Feitosa, professor de Cultura e Mídia do Curso de Biblioteconomia da UFC (Universidade Federal do Ceará), Mestre em Comunicação e Semiótica – PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica – São Paulo) e Doutor em Sociologia pela UFC conversou com www.sembarreiras.com.br sobre o papel das telenovelas na discussão de temas considerados polêmicos e de responsabilidade social. O foco da entrevista foi a novela Amor à Vida, da Rede Globo de Televisão, encerrada em 31 de janeiro último, que teve como uma de suas personagens uma garota autista, Linda, interpretada por Bruna Linzmeyer. A composição da personagem gerou inúmeras polêmicas entre mães e profissionais de saúde especializados no Transtorno do Espectro Autista (leia mais aqui). Segue a entrevista com o professor Tadeu Feitosa.

Sem Barreiras: Professor Tadeu, esta é uma matéria para o mês dos namorados e se refere, especificamente ao namoro de autistas com pessoas ‘normais’. A pauta foi construída a partir da personagem Linda, da novela Amor à Vida, da Rede Globo. Você acompanhou essa novela?
Tadeu Feitosa: Sim, acompanhei.

Sem Barreiras: Gostaria de saber sua opinião sobre uma novela, produto cultural teoricamente sem obrigação com a realidade, retratar um assunto tão delicado como o autismo. Como se dá essa relação entre a licença poética da novela e a responsabilidade social que o tema exige?
Tadeu Feitosa: Eu não sei se sou a pessoa mais indicada para falar de autismo. Mas, pegando o mote da sua pergunta, compreendo que uma telenovela confunda muitas vezes a venda da novela como um produto que é o que ela é, com aspectos do que você chama de responsabilidade social. Assim, a romantização e a ficcionalização de alguns temas podem soar um equívoco quanto à realidade. Na novela, a preocupação da mãe da personagem autista com o seu romance com um rapaz que não tem as mesmas limitações dela foi, ao meu ver, mostrada de modo equivocado. A novela realçou o preconceito da mãe e suas fraquezas morais, quando, na verdade ela estava fazendo o que qualquer mãe ou pai de autista faria. Eles são pessoas especiais, ultra sensíveis, muitas vezes fechadas em seus mundos e cujos sentimentos amorosos ou sexuais pouco se conhece. Do outro lado, há a banalização dos afetos e das sexualidades pelo mundo. É normal para pais em situações como esta estranharem que uma pessoa se apaixone por alguém com essas características.

Sem Barreiras: Você acredita que a novela é o campo correto de se fazer essa abordagem? A novela deveria ter o papel educador ou você acha que essa não é obrigação dela?
Tadeu Feitosa: A novela romantizou o caso, dando à moça uma ternura que poderia ser aviltada pelo outro, que também estava tateando compreender a moça amada. Os comportamentos, os valores, os sentimentos e as sensações sexuais devem ser diferentes, ter tempos e condicionantes diferentes. Como um autista reagiria a uma relação sexual, por exemplo, é um enigma para o rapaz, que tem percepção diferente dela. Aliás, ele conhece uma realidade que ela não conhece. Daí a preocupação da mãe. A opção do autor da novela foi em não explorar isso, o que afasta o tema da realidade. No entanto, eu acredito que o amor seja capaz de resolver todas as situações, de adequar os apaixonados a elas. Eu tenho na família parentes especiais que jamais viveram emoções ligadas à paixão ou ao amor. Mas, vejo nas relações dos pais deles uma preocupação com o sexo, por exemplo. Agora, não cabe às telenovelas aprofundar cientificamente essas questões. É esse o motivo das polêmicas, porque ele idealiza situações, banaliza outras, além de deixar muitas coisas sem resposta. Por serem especiais, autistas vêm seus corpos modificados pela idade sem que seu lado psicológico acompanhe. A personagem, repito, foi romantizada, estetizada e suas ações e gestos muitas vezes foram cacoetes que ora me pareciam negativos, ora eram mostrados de forma positiva. A sua fala, os beijos que dava, os olhares sensuais são coisas do nosso mundo e não do mundo deles, mesmo sabendo que há muitas diferenças entre os graus de autismo. As cenas foram doces, bonitas, mas não passavam disso.

Mesmo podendo ser de vanguarda, Tadeu Feitosa acredita que novelas não vão levantar bandeiras

Mesmo podendo ser de vanguarda, Tadeu Feitosa acredita que novelas não vão levantar bandeiras

Sem Barreiras: Você falou anteriormente que não cabe às novelas aprofundar cientificamente os assuntos. O Mauricio Stycer, crítico de televisão do UOL, escreveu que a novela tratava certos assuntos didaticamente, como se desse uma aula sobre aquilo. A falta desse didatismo no autismo, essa romantização, pode ter sido uma falha do autor?
Tadeu Feitosa: O mundo vê as relações amorosas como inclinadas à procriação, que passa invariavelmente pelo sexo. Não sei como seria uma relação dessas na realidade e se isso não feriria a integridade do autista na sua individualidade. Eu não acho que didatismo sirva para situações como essa. Assim, a opção do autor acabou sendo a melhor. Ele insinuou possibilidades e deixou o resto para as nossas leituras. Sinceramente, não sei como uma relação daquelas poderia acontecer na realidade. Outro dia, o Profissão Repórter (programa jornalístico da Rede Globo) mostrou uma relação entre uma moça de classe média e um morador de rua. Ela, drogada, e ele, do mundo da droga. A mãe da moça recriminava por ela estar tendo vida sexual com ele, drogada, e ela se defendia. Ou seja, para a mãe, sua filha estava em estado de vulnerabilidade e certamente não se relacionaria com aquele cara se não estivesse “louca” por causa das drogas, entende?

Sem Barreiras: A primeira novela que lembro que abordou a deficiência foi História de Amor, em 1995, com o Nuno Leal Maia ficando paraplégico. De lá pra cá, houve outras, Malhação, América e agora. Além disso, a homossexualidade tem se tornado tema constante, ainda que superficialmente. Você acredita que são sinais dos novos tempos das novelas?
Tadeu Feitosa: São, mas ainda falta aos autores, às direções e aos atores a leveza do fazer. Falta o tom. Há simplismos, exageros, leviandades, preconceitos embutidos e o velho e rotineiro estereótipo. Mas, é um começo. Enquanto nós, telespectadores, franzirmos nossas testas quando vermos casais homossexuais se beijando, haverá textos novelísticos também enviesados. Forçar a barra para as naturalizações é manter o estereótipo e o preconceito velado.

Sem Barreiras: Para encerrarmos, Tadeu: você concorda que a novela poderia ser um meio para combatermos preconceitos, discriminações e desigualdades sociais ou isso é pedir demais a elas? Qual o verdadeiro sentido social de uma telenovela?
Tadeu Feitosa: As telenovelas parecem se contentar apenas em tentar reproduzir realidades que já se configuraram nos imaginários e nos cotidianos. Assim – mesmo reconhecendo que elas podem ser de vanguarda, como aconteceu com Beto Rockfeller – me parece querer demais que elas levantem bandeiras. Inclusive porque a Globo, que é hegemônica nesta arte, é reacionária e defensora de tradicionalismos que, em grande maioria, já se encontram relativizados no mundo real. O sentido social de uma telenovela é entreter, divertir. O resto é comércio.

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