Central do Vôlei Nestlé supera surdez e conquista espaço
Natália Martins olha para Dani Lins. Nada precisa ser dito para que a central se apresente no ataque e marque um ponto. A cena se repetiu diversas vezes na Superliga desta temporada no Vôlei Nestlé. O que poderia ser um ataque comum de qualquer time da modalidade, não é. A observação da jogadora na verdade é uma tática dela usada para conseguir atacar.
Com problema auditivo desde quando era criança – sua mãe descobriu que não ouvia quando ela tinha só quatro anos -, Natália se tornou uma expert em ler lábios das pessoas. “Eu ouço com os olhos. Minha mãe me ensinou desde criança”. É essa tática que a central usa para se comunicar com suas companheiras. Assim como dar entrevistas, sempre atenta à boca de quem faz as perguntas.
O trabalho feito por Irani foi intenso desde os quatro anos quando percebeu que sua filha não respondia aos seus chamados e sempre estava com a televisão com volume alto. Não à toa, toda vez que fala sobre suas escolhas e dedicação, é ela quem Natália cita. Foi assim ao entrar na escola com o aparelho auditivo que passou a usar a partir dos seis anos, sempre falando para os professores da necessidade de falar olhando para a menina. Também anos depois quando teve de escolher entre moda e vôlei.
O que pouca gente sabe é que o caminho da atleta de 33 anos foi longo até chegar aqui, ao se tornar a primeira jogadora surda do país. Devido ao seu problema auditivo, ela chegou a ter dúvidas se conseguiria ser atleta de alto nível. Foi neste momento em que Bernardinho, técnico da seleção brasileira masculina, surgiu em sua vida.
“Nessa época, passava muito vôlei na Band, eu assistia bastante. O Leite Moça foi em São José dos Campos, eu fui. Foi um amor ver a Fofão. Escrevi (uma carta) e mandei (para o Bernardinho). Se foi ele ou outra pessoa da equipe dele (que respondeu), só tenho certeza que ele leu. Falei que queria chegar onde ele chegou. Aquele negócio de criança, não tem noção do percurso. Só queria chegar onde ele estava. Falei do problema de audição, se seria um empecilho para chegar onde ele estava. Ele falou não. Se tiver garra, determinação e perseverança, você vai chegar lá”, falou ao UOL Esporte.
A central parece ter escutado o conselho do bicampeão olímpico. Natália não perde o bom humor em nenhum momento. O que poderia ser um trauma em sua vida é motivo, inclusive, de brincadeiras delas com as companheiras. “Isso foi logo no começo, jogava em Minas, técnico começou a me chamar. As meninas me avisaram e eu falei: ‘eu desliguei, gente, sabia que ele ia dar bronca’. Virei com o aparelho desligado, falei oi, como faço bem leitura labial, ele falou comigo e as meninas rindo. Voltei, liguei e fui jogar. Esse aparelho novo não tem como desligar. Tem de mexer, corre risco de cair. Os mais antigos eram mais fáceis. Depois, eu falei para ele o que tinha feito, tinha muita gente falando, eu preferi desligar. As meninas falam que queriam ser iguais a mim, desligar o aparelho e não ouvir certas coisas”, brincou.
Vôlei ou moda
Uma coisa que quase tirou Natália das quadras foi a possível carreira como modelo. Alta (1m86), desde cedo, ela chegou a ter um começo nas passarelas, mas teve de escolher entre os dois caminhos. Foi aí que o vôlei levou a melhor por um motivo curioso. “Decidi pela comida. Para ser modelo, teria de ficar sem comer. Foi um aprendizado bacana, superei a timidez. Tinha vergonha de tudo porque era muito alta. Aprendi bastante. Chegou hora que estava passando muito mal. Minha mãe disse que tinha de decidir. Falei vôlei, não consigo ficar sem comer, eu gosto de comer e aí fiquei no vôlei”, revelou.
Pan-Americano
Apesar de ter se tornado a primeira jogadora surda a atuar profissionalmente, Natália deu um passo atrás em 2016. Ela atuou com a seleção brasileira de surdas, formado por atletas amadoras, no Pan-Americano. Saiu com a prata e como melhor jogadora, mas quando fala sobre as conquistas além das quadras, o ouro é praticamente garantido.
“Foi muito bom, importante. Quando me chamaram, todo mundo me criticou por jogar com amador. Falei, se eu não for, quem vai? Quem vai abrir as portas? Colocar a cara na frente para futuramente vir uma nova geração de surdos. Sei o que passei para chegar onde eu estou. Preciso mostrar porque muitos desistiram. Depois, descobri quando entrei. Desafio foi jogar sem aparelho, nunca tinha feito. Parece que perdi equilíbrio. Procurava barulho. Depois, me adaptei. Mas, acabava o treino, eu colocava o aparelho”, finalizou.
* Matéria de Leandro Carneiro, do UOL São Paulo (clique aqui)
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