Crônica de uma semana que valeu um mês
Em uma guerra, às vezes se ganha, às vezes se perde, mas sempre se luta. Durante uma batalha, perde-se a noção do tempo, e um período que parece curto ordinariamente vira uma eternidade.
A semana que finda hoje, por exemplo, passou em minha vida como se fosse um mês inteiro.
Em nome do meu sindicato, fiz-me presente na Assembleia Legislativa. A missão era barrar o projeto de reforma administrativa do Poder Judiciário que cria quase 400 cargos comissionados sem concurso público. Favorecimento de apadrinhados à vista.
Corre de cá, corre de lá, entra e sai de gabinete. Mostra-se projeto, explicam-se nossas razões, pede-se que vote com o sindicato. Alguns já se manifestam contrários – pelo menos são sinceros. Outros prometem analisar. Outros tantos se mostram solícitos a atender nossos pleitos.
Terça-feira, dia 14 de março, audiência pública requerida pelo sindicato. Presentes, além de nós, representantes dos magistrados e da administração do Tribunal de Justiça. Ouço de tudo: desde que não há dinheiro para admitir os concursados de 2014 (aprovados que aguardam nomeação desde então), até que a criação dos cargos é uma boa para o Judiciário. Ouço até uma magistrada dizer que o sindicato não representa os servidores – teve uma resposta à altura. Ouço, pior, um magistrado atrás de mim me chamar de mentiroso e querer me intimidar. Um ex-diretor do Fórum Clóvis Beviláqua.
Saímos da audiência pública com a certeza da derrota que viria, mas dispostos a não entregar os pontos. Sensação de dever cumprido, manifestações de apoio de colegas que estavam na audiência pública e que a acompanharam na TV e na rádio. Do lado da administração, sabiam-se vencedores no plenário na quinta-feira, mas visivelmente desconfortáveis ante a atuação corajosa dos sindicalistas.
Quarta-feira, 15 de março, reunião das comissões de Trabalho, Administração e Serviço Público e de Orçamento. Uma manobra regimental do deputado Elmano de Freitas, do PT (portanto, da base governista), não permitiu que Odilon Aguiar, do PMB, tivesse vistas da matéria – um direito que era seu, com base no regimento interno da Assembleia Legislativa. Um verdadeiro golpe, que seria repetido horas depois na outra comissão por Joaquim Noronha, do PRP (também governista), impedindo vistas para Carlos Matos, do PSDB. Começava a funcionar o lobby dos magistrados para os seus apadrinhados – e talvez os dos próprios deputados.
Quinta-feira, 16 de março. Sessão plenária. O sindicato tem sua entrada dificultada pelos seguranças da casa. Já os magistrados da ACM flanam lépidos e fagueiros pelos carpetes azuis da Casa que deveria ser do Povo. Com muita luta, conseguimos colocar ao menos um sindicalista para fazer o lobby dos trabalhadores.
Porém, os magistrados já haviam articulado com a mesa diretora da Assembleia Legislativa. O presidente Zezinho Albuquerque (PDT) só presidiu a sessão que votava a reforma do Judiciário cearense e nada mais. Inverteu a ordem do dia, para que a matéria fosse apreciada a toque de caixa. Três emendas do sindicato, que já estavam prontas e seriam defendidas por Roberto Mesquita (PSD), foram vetadas, sob alegação de prazo ultrapassado. Roberto Mesquita, que havia prometido defender as emendas, disse que “não era bem assim”.
Ao final, o projeto da reforma do Judiciário foi aprovado com larga margem, com apenas 6 votos contrários. Descobrimos, em seguida, que Elmano de Freitas, na quarta-feira à tarde (antes das comissões), havia se reunido com o presidente do TJCE, desembargador Francisco Gladyson Pontes. Provavelmente acertaram os ponteiros da união entre Judiciário e Executivo no verdadeiro circo que foi a semana de votação do projeto.
Garantiram-se, então, os apadrinhados. Os aprovados de 2014, gritaram, berraram nas galerias, mas ficaram chupando o dedo. O sindicato, derrotado, viu a que ponto chega a falsidade, o oportunismo, a má política e a hipocrisia.
Quinta-feira à noite, cansado, desabo e adormeço o sono dos lutadores. Daqueles que perdem a batalha após uma luta intensa, mas que sabem que outras batalhas virão no campo da vida.
P. S.: Exatamente pela semana que passou, entrego, pela primeira vez, esta coluna com 24 horas de atraso, já tendo me desculpado previamente com meu amigo Victor Vasconcelos. Obrigado pela compreensão. Próxima semana, retorno à pontualidade de todas as sextas-feiras.
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