A deficiência e a família
A chegada de uma criança com deficiência geralmente torna-se num momento bastante traumático e de mudanças, dúvidas e confusão. A maneira como cada família lida com esse evento influenciará decisivamente na construção da identidade do grupo familiar e, consequentemente, na identidade individual dos seus membros. O próprio grupo familiar é obrigado a desconstruir os seus modelos de pensamento e a recriar uma nova gama de conceitos que absorva a realidade.
A família tem o papel social de criar e desenvolver a individualidade, num sistema onde se busca a autorrealização dos seus membros. Com o nascimento de um filho com deficiência (física ou mental), a sua estrutura razoavelmente estável, a definição de papéis e o estabelecimento de regras, de acordo com os seus próprios valores, exige aos seus membros uma redefinição desses mesmos papéis, de acordo com os novos valores e padrões de comportamento, para se ajustarem ao novo estilo de vida. Na criação de novas regras, papeis e capacidades, a família, geralmente confusa, necessita de algum aconselhamento psicológico. No entanto, a maioria das famílias aprende através da tentativa e erro. A cada mudança, impacto ou crise, a família deverá ser restruturada.
O nascimento de uma “criança especial” traz muitas mudanças especiais. Na reação a esta criança podem surgir diversos tipos de reação:
– Encarar o problema de um modo realista;
– Negar a realidade da deficiência;
– Lamentações e compaixões dos pais, para com a sua pouca sorte;
– Ambivalência em relação à criança, ou seja, rejeição e projeção da dificuldade como causa da deficiência;
– Sentimentos de culpa, vergonha e depressão e padrões de mútua dependência.
Geralmente são vivenciadas fases distintas, de negação, adaptação e aceitação.
A primeira fase é de Negação. Os pais não querem acreditar no diagnóstico, não se encontrando a família preparada para conviver com algo dessa natureza. Até porque, a família esperava o nascimento de um bebé saudável, sem problemas. Os sentimentos de culpa, rejeição ou desespero, alteram as relações sociais da família e a sua própria estrutura. Os sentimentos de culpa e vergonha pela criança deficiente levam a que os pais se sintam culpados e envergonhados por os sentirem. Todas estas reações são comuns a todas as pessoas, perante situações de frustração e o conflito. Assim, muitos dos sentimentos destes pais são compartilhados por outros pais em diversas fases da sua vida. O receio da reação da família alargada, e da sociedade em geral, ligadas às dificuldades em conviver com as diferenças, leva a família a isolar-se. Algumas famílias lançam uma interminável busca por outros diagnósticos que possam negar a deficiência. Esta fase pode prolongar-se por dias, meses ou anos.
Depois desta fase, os pais começam a perceber que o seu filho apresenta necessidades que necessitam de ser atendidas prontamente.
Inicia-se então a segunda fase, de Adaptação, quando a família elaborou a perda (fez o luto) da “criança saudável” previamente concebida no imaginário familiar, começando a adequar-se ao diagnóstico, procuram informar-se e entender o mesmo. A família começa a perceber o deficiente como um ser humano genuíno, integral e pleno de significado.
Na fase da Aceitação acontece um maior e mais realista contacto com a criança e a sua deficiência. Os pais tronam-se mais participativos, procurando mais apoio, sugestões e esclarecimento. Alguns reconhecem que a tristeza e a frustração são sentimentos que devem ser encarados com naturalidade. Em geral ainda apresentam uma postura superprotetora, mas que com o tempo tende a diminuir.
Quando a criança com algum deficit deixa de ser vista pela sua deficiência e passar a ser entendida como uma pessoa integral, decorre um novo olhar, atitudes e posturas.
Os pais podem entrar em contacto com a deficiência do seu filho de várias maneiras. Poderá ser muito antes de o bebé nascer, quando são feitos exames na fase pré-natal. Mas grande parte das deficiências é apenas diagnosticada após o parto.
Independentemente do momento em que os pais entram em contacto com a deficiência do seu filho, e de quão fortes e maduros possam ser, essa é sempre uma situação envolta em muita dor, medo e incerteza. Além da família, também os técnicos de saúde têm dificuldades em lidar emocionalmente com o diagnóstico e a sua transmissão aos familiares. As atitudes destes técnicos são tão diversas como:
– Omissão e transferência para terceiros (outros técnicos de saúde);
– Transmissão da notícia de forma destrutiva, como se os pais não devessem esperar nada da criança;
– Minimização dos problemas, prometendo um futuro fantasioso;
– Transmissão da notícia de forma impessoal e distante, sem explicações do problema e sem empatia.
O ideal é que o profissional tenha conhecimento técnico da sua área e que possa ter uma atitude de empatia com a família. A família necessita de ser informada e encaminhada para a resposta às necessidades da situação.
* Texto escrito pelo Psicólogo Clínico Gustavo Pedrosa no site Oficina de Psicologia (clique aqui)
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