Luciano Hang ofende cegos e idosos
Na última sexta-feira (20), em um espetáculo absurdo e grotesco de preconceito e desrespeito às pessoas com deficiência, o empresário Luciano Hang, dono da Havan, gravou um vídeo (assista aqui) em que critica a obrigação de ter de colocar piso tátil e disponibilizar cadeira de rodas automática em loja na cidade de Chapecó (SC). Ele afirma que a exigência prevista em Lei é uma “burocracia”. “A prefeitura de Chapecó conseguiu ultrapassar o ridículo. Olha só essa loja linda, maravilhosa. Cheguei aqui na porta e coloca isso aqui”, afirmou, mostrando o piso tátil à câmera. Segundo ele, o piso “leva o nada ao lugar nenhum”. O empresário vai além e afirma: “olha que coisa feia. É a única loja do Brasil com essa porcaria que não vale nada”. Para ele, o deficiente visual vai à loja “acompanhado por alguém” e, caso não vá, seus funcionários darão atenção a ele. “Não precisa botar aquele negócio para ele ficar que nem uma galinha tonta. É um absurdo”. O empresário ainda criticou a exigência da colocação de placas indicativas para vagas reservadas para idosos e pessoas com deficiência. “Aqui, os populistas arranjaram vaga para deficiente e para idoso”. Por fim, ele também reclama da exigência de oferecer cadeira motorizada para os clientes.
Mas, quem é Luciano Hang, que trata dos direitos das pessoas com deficiência e idosos como “porcaria”, “coisa feia” e “populismo”? Oriundo de Brusque (SC), o empresário de 57 anos é dono da rede de lojas varejistas Havan e um dos mais fanáticos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PSL). Dono de um estilo considerado exótico por alguns e ridículo pela maioria, veste verde e amarelo da cabeça aos pés e faz discursos inflamados em apoio ao presidente e contra seus adversários políticos. Apoiou, por exemplo, a Reforma da Previdência, vista por especialistas da área como bastante danosa aos trabalhadores e muito amiga dos empresários. Luciano Hang, não por acaso, é um dos maiores devedores da Receita Federal e do INSS. Com dados da Procuradoria da República, o empresário deve a bagatela de R$ 168 milhões aos cofres públicos. Além disso, participou do REFIS (programa de refinanciamento de dívidas) e conseguiu parcelar seus débitos para serem pagos em 115 anos. Nas eleições passadas, foi condenado por coagir seus funcionários a votar em Jair Bolsonaro, ameaçando demissão. Ainda em 2018, a jornalista Patrícia Campos Melo, da Folha, denunciou um esquema de financiamento ilegal de campanha, por empresas particulares, ao candidato do PSL (aqui). Segundo ela, empresários estariam financiando disparos ilegais de WhatsApp com Fake News contra o candidato Fernando Haddad (PT) e sua vice, Manuela D’Ávila (PCdoB). O financiamento privado de campanhas se tornou ilegal em 2015.
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As afirmações de Luciano Hang tornam sua figura ainda mais patética e desprezível. Como veremos no artigo a seguir, se o piso tátil liga “o nada ao lugar nenhum”, a responsabilidade é de quem o colocou ali. A Lei determina o piso tátil para permitir ao deficiente visual ter acesso ao local e se desloque por ele de forma independente. É, portanto, uma medida inclusiva e extremamente importante, respeitada no mundo civilizado inteiro. O que é uma porcaria é a necessidade de existir uma Lei exigindo algo tão básico. O mesmo vale para as cadeiras motorizadas. Infelizmente, existem inúmeras pessoas com dificuldades de locomoção. São pessoas com deficiência, idosos, obesos, gestantes. Pessoas que, sem essas cadeiras, possivelmente, não poderiam frequentar certos locais. O que é feio é um empresário abrir mão de clientes em potencial por causa de seu preconceito e ignorância. A Organização Nacional de Cegos do Brasil (ONCB) emitiu nota oficial sobre o caso: “Ao fazer tais declarações, esquece o empresário que todo local privado de uso coletivo está sujeito a inúmeras regulamentações e que pessoas com deficiência, segmento composto por 45 milhões de Brasileiros, contam com instrumentos como a Lei Brasileira de Inclusão”, diz trecho da nota, que pode ser lida aqui. Resta ao segmento de pessoas com deficiência e seus familiares repudiarem as declarações de Luciano Hang e exigir respeito, boicotando suas lojas em todo Brasil. Segue, agora, artigo de Filipe Oliveira, jornalista cego da Folha de São Paulo.
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Pessoa com deficiência não é vista como cliente em quem vale a pena investir
Se muitos pisos táteis são inúteis ou perigosos, a culpa é de quem exige que o coloquem?
Em vez de Luciano Hang se vitimizar porque precisa instalar um piso tátil em suas lojas para facilitar a locomoção de clientes com deficiência visual, que tal se o empresário ficasse inconformado toda vez que encontrasse uma calçada esburacada dificultando o caminho até suas vitrines?
Em vídeo divulgado em suas redes sociais nesta sexta (20), Hang critica regras de acessibilidade e as classifica como uma burocracia sem sentido que o governo coloca sobre o empresariado.
Ele reclama de como um piso tátil incluído na entrada de uma das lojas da sua empresa, a Havan, estraga a beleza que ele vê no espaço.
Não se trata de uma regra inútil. O piso tátil é uma pequena parte do que lhe cabe para tornar a sociedade um pouco mais inclusiva.
Também me incomodam profundamente pisos táteis que levam do nada a lugar nenhum, para continuar com as palavras do empresário.
Na maioria das vezes, o aparato é colocado burocraticamente apenas para cumprir uma obrigação, deixando transparecer que o responsável nunca pensou seriamente que um dia ele seria usado por uma pessoa com deficiência visual.
Que outra explicação haveria para um piso tátil em agência de um grande banco de São Paulo que terminava em uma parede de vidro? Após reclamação, o defeito foi corrigido.
É apenas um exemplo, entre muitos caminhos que já andei, supostamente pensados para cegos que começam e terminam sem fazer sentido, levam até a parede ou possuem obstáculos no meio.
Agora, se muitos pisos táteis são inúteis ou perigosos, a culpa é de quem exige que o coloquem?
Responsabilidade ainda maior deveria cair sobre quem os fez de qualquer jeito, provavelmente sem nunca ter pensado sobre a locomoção de pessoas com deficiência visual. Se caberia exigir algo mais ao poder público, que tal fiscalizar melhor os projetos malfeitos?
Ao assistir o desabafo inflamado de Hang, penso que ele não acredita que pessoas com baixa visão ou cegos possam chegar a suas lojas sozinhos e andar por um piso seguro até encontrar um atendente. Luciano Hang esqueceu que somos clientes e a falta de um piso tátil e de respeito impacta suas próprias vendas.
* Artigo publicado no jornal Folha de São Paulo (clique aqui)
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