Falta de acessibilidade gera revolta em pai
Era para ser uma passeio em família em um dia de feriado. Mas na última terça-feira (15), o sociólogo Carlos Jota Guedes perdeu a paciência com os vários problemas enfrentados ao levar o filho João, que é cadeirante, para assistir a um espetáculo no teatro Francisco Nunes, localizado no Parque Municipal. As questões vivenciadas pela família foram descritas em um marcante depoimento no Facebook.
Tudo começou com a pergunta de uma amiga de Carlos no Facebook: “Qual é para você, hoje, pais de filhos com alguma deficiência, o seu maior desafio?” “Fui lá e cravei meu mimimi: Sair à rua sem tá armado! Não ter que discutir todo tempo com quem nega direitos aos nossos filhos. Discutir entre aspas, porque muitas vezes a gente engole seco mesmo”, desabafa Carlos, no começo do relato.
No relato, Carlos afirma que os problemas já tiveram início ao estacionar, já que um caminhão estava parado na vaga reservada a deficientes físicos, próxima ao Palácio das Artes. Depois conta como foi difícil andar pelas pedras portuguesas da calçada da avenida Afonso Pena. “Não há cadeira de rodas que aguente tanta trepidação, não há corpo que suporte aquele desconfortável deslocamento”, relata. Em seguida, a dificuldade em entrar no Parque Municipal porque há paralelepípedos na entrada do portão principal.
Veja a íntegra do relato:
Em busca de um banheiro
Na entrada no teatro, mais problemas. Havia, segundo o relato do pai, um cabeamento de som sobre a rampa, atrapalhando a acessibilidade dos cadeirantes. O filho, de 9 anos, não pôde usar o banheiro do teatro, que estava interditado, e teve dificuldade em assistir ao espetáculo, pois várias pessoas ficaram em pé a sua frente. Na hora de ir embora, dicidiram usar o banheiro para cadeirantes do Palácio das Artes. “Mas foi complicado, pois estava sujo e sem a chave, como se pessoa com deficiência não pudesse ter privacidade”, desabafa Carlos na postagem.
Em entrevista ao Hoje em Dia, Carlos e João explicaram que os problemas vivenciados no passeio ao parque municipal são apenas alguns dos enfrentados pelos cadeirantes no dia a dia. A maior questão, segundo eles, é a mobilidade pela cidade. Carlos não dirige e, quando sai com o filho, tem o ônibus ou o táxi como opção.
“Os elevadores dos ônibus costumam ter problemas. Tem um que abre a porta, mas não fecha, outro que vai até uma altura, mas não chega ao final… Muitas vezes os próprios motoristas dão desculpas, dizendo que alguma coisa está errada”, diz Carlos. “Quando tentamos pegar um táxi, muitas vezes a corrida é negada porque os motoristas alegam que a cadeira não cabe no porta-malas. Mas, a princípio, qualquer carro pode carregar uma cadeira manual como a do João”, completa.
A inacessibilidade de alguns edifícios, os buracos nas calçadas, as rampas mal feitas (muitas construídas de maneira muito íngrime) são algumas questões já bem conhecidas. Mas tem outras que não dependem de política pública ou investimento governamental. Muitos problemas vivenciados pelos deficientes poderiam ser minimizados a partir da conscientização ou sensibilidade de todos.
“No espetáculo (de terça), eu não consegui ver nada. As outras crianças subiram no palco, ficaram na minha frente. Isso acontece muitas vezes quando vamos ao teatro ou ao estádio. As pessoas ficam em pé na nossa frente e não percebem que estão atrapalhando”, conta João, que teve paralisia cerebral e teve a coordenação motora afetada nas duas pernas e no braço esquerdo.
A formação escolar também é uma questão a ser enfrentada. João tem 9 anos e já passou por cinco escolas. “Teve um colégio em que ele estudou que tinha uma ótima infra-estrutura, mas não estava preparada pedagogicamente”, lembra Carlos.
Políticas públicas
Segundo Eder Ferreira, presidente da Associação dos Paraplégicos de Belo Horizonte, a melhora na qualidade de vida dos cadeirantes só acontece graças a políticas públicas para pessoas com deficiências. “Muitas vezes, pequenas medidas podem trazer grandes benefícios”, afirma.
Se hoje há muito mais cadeirantes transitando pelas ruas do Centro de Belo Horizonte, é porque houve um investimento para que o transporte público estivesse adaptado para atender aos cadeirantes. Mesmo assim, é preciso evoluir mais, segundo ele.
“Recebemos muitas reclamações de pessoas que não conseguem pegar ônibus. Os veículos são equipados com elevadores, mas os motoristas e cobradores não são treinados para usar os equipamentos. Acreditamos que as empresas deveriam treinar melhor os funcionários e ter uma maior fiscalização por parte da prefeitura”, explica.
Outros lados
A BHTrans informa que já implantou mais de 1.200 vagas físicas de estacionamento especial em todas as regionais da cidade. A ampliação dessas vagas depende de solicitações formais encaminhadas ao órgão. Explica ainda que “é um compromisso social de toda população respeitar as vagas reservadas para as pessoas com deficiência e idosos”.
O órgão afirma que todos os ônibus da cidade passam por vistorias periódicas e só recebem autorização para trafegar quando todos itens estão seguros e funcionando, incluindo os elevadores. Contudo, eventuais falhas mecânicas podem acontecer durante a operação e , ainda assim, agentes da BHTrans realizam ações de fiscalização nas garagens e pontos finais para verificar o bom funcionamento dos veículos. “A frota de ônibus possui 2951 veículos, sendo assim, é difícil fiscalizar todas diariamente. É importante que a população registre a linha e o número do veículo que apresenta o defeito e essas informações são utilizadas para direcionar as ações de fiscalização”, diz o órgão, completando que motoristas e cobradores passam por oficinas e cursos de aprimoramento periodicamente.
A Fundação Municipal de Parques explica que nenhum parque em Belo horizonte possui 100% de acessibilidade. Conforme os equipamentos públicos vão sendo reformados, os obras de acessibilidade vão sendo inseridas nos espaços.
A Fundação Municipal de Cultura informa que na tarde de terça (15) houve um problema na caixa d’água do Teatro Francisco Nunes, fato que ocasionou a interdição dos sanitários do teatro.
A Fundação Clóvis Salgado, gestora do Palácio das Artes, afirma que o banheiro localizado no piso inferior do Palácio das Artes passa, constantemente, por um rigoroso processo de higienização, em que uma equipe exclusiva faz a limpeza do espaço a cada uma hora. “Esse processo de limpeza é reforçado aos fins de semana para que inconvenientes como o citado pelo senhor Carlos Jota Guedes sejam evitados. Ressaltamos, porém que, por se tratar de um espaço público, as pessoas têm livre acesso ao sanitário específico, bem como aos demais ambientes que integram o complexo cultural da Fundação Clóvis Salgado. Sendo assim, o fluxo de pessoas que utilizam o sanitário é muito grande, o que pode dificultar a conservação do ambiente”, diz a fundação, por meio de nota.
Em relação à falta de trancas na porta da cabine para pessoas com deficiência, a Fundação Clóvis Salgado informa que essa é uma forma de garantir a acessibilidade, a segurança e a integridade física de cada usuário, além de respeitar as diferentes necessidades das pessoas que utilizam o banheiro. O fechamento ou abertura da porta ocorre em sentido único, de dentro para fora, sendo necessário, apenas puxar ou empurrar a barra de apoio da porta.
* Matéria de Cinthya Oliveira, do site Hoje em Dia (clique aqui)
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