PM mata anão em surto psicótico

06/01/2025 Deficiência Física, Destaques, Notícias 0

Ernesto Schmidt Neto com sua mãe, dona Joaquina.

As inúmeras privações que as pessoas com deficiência sofrem – não enxergar, não ouvir, não andar, ter baixa estatura e muitas outras – são definidoras para altos índices de depressão e tentativa de suicídio. Uma pesquisa na Inglaterra mostrou que o grupo com deficiência apresentou uma taxa de tentativas de suicídio quatro vezes maior que as demais pessoas. No Brasil, cerca de 26% das pessoas que tentaram suicídio tinham alguma deficiência ou transtorno. Vinte por cento (20%) das pessoas com deficiência já tiveram diagnóstico de depressão, em comparação com 9,5% das pessoas sem deficiência.

No último sábado (4), no município de Solidão, região sul de Florianópolis (SC), Ernesto Schmidt Neto foi morto com quatro tiros disparados por policiais militares. Betinho ou “Anão da Solidão”, como era conhecido, tinha 48 anos, nanismo e, de acordo com pessoas próximas a ele, estava em meio a um surto psicótico (episódio temporário de desconexão com a realidade, caracterizado por uma alteração repentina no comportamento de uma pessoa). Segundo a Polícia Militar, Betinho estava armado com uma faca, ameaçando pessoas, e teria avançado contra os policiais. Um vídeo que circula nas redes sociais flagrou o momento em que agentes da PM entraram em sua casa e, logo depois, ouvem-se os disparos.

Morador da comunidade, o psicólogo e professor Thomas Teixeira Fidryszewski relatou que Betinho, de fato, estava em surto psicótico, mas que teria sido facilmente contido. “Beto entrou em surto psicológico e expulsou seus inquilinos, ameaçando-os com uma faca. Após o transtorno, Beto se trancou em sua casa e estava sozinho com uma faca em mãos. Os inquilinos chamaram a polícia e mais de dez policiais arrombaram a porta de sua casa. Em seguida, dispararam mais de cinco tiros em um sujeito com menos de um metro de altura, tendo em vista que poderia ser facilmente controlado pelos policiais, que em nenhum momento tiveram essa intenção”, afirmou Thomas.

Familiares e amigos defendem que a ação policial foi “desproporcional”, já que Betinho poderia ter sido contido. O psicólogo Thomas Fidryszewski também relatou que um amigo de Beto ainda se disponibilizou a conversar com o colega para que ele se acalmasse, tivesse o surto controlado e se entregasse, porém, teria sido impedido pelos policiais. “Beto era anão e sofria de transtornos psicológicos, que o levaram à dependência química, fatos que potencializavam suas crises psicológicas. O filho único de dona Joaquina era um rapaz com problemas, mas os moradores sempre lhe respeitaram e, em diversos momentos, deram conta de suas crises, que eram acometidas por um comportamento agressivo, porém facilmente controlado por quem o conhecia”, contou ainda o psicólogo.

De acordo com informações do portal G1, a PM informou que instaurou um inquérito para apurar o caso e que Betinho tentou atacar os policiais antes de ser baleado. “Uma primeira guarnição chegou, viu que se tratava de um homem armado com faca, bastante alterado, chamou o apoio, o sargento da ronda chegou no local e, no momento que tentou fazer a primeira intervenção de conversar, ele partiu para cima”, disse o tenente-coronel André Rodrigo Serafin, comandante do 4° Batalhão da Polícia Militar. Ernesto Schmidt Neto tinha passagens na polícia por ameaça, lesão corporal, desacordo comercial, invasão de propriedade, calúnia, dano, furto, dirigir sob efeito de álcool ou drogas, desacato, resistência e desobediência. Uma pessoa, aparentemente, bem complicada.

Sem Barreiras coletou as informações na internet, em sites como Brasil 247 e NSC Total. Portanto, não temos como mergulhar mais na história. Embora não tenhamos mais dados sobre Ernesto, duas informações se tornam importantes aqui: anão e surto psicótico. Será mesmo que uma pessoa com nanismo, completamente fora de si, é uma ameaça tão grave ao ponto de receber quatro disparos e morrer? Não sei. Contudo, o caso dele não é único. De acordo com o G1 de Tocantins, policiais foram chamados pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), em março de 2024, para conter um idoso de 73 anos, esquizofrênico, Arnaldo Ferreira de Souza, também em surto psicótico. Diz a sobrinha dele, Sandra Cristina dos Santos, 45 anos: “Nós da família estávamos todos no portão, na esperança de receber ele na maca do Samu. […] Se não sabiam como ajudar era só nos dizer, não precisava dar cinco tiros, no coração, crânio e perna, em um idoso que estava com um facão, enquanto [os policiais] tinham pistolas, fuzis, escudo, spray de pimenta, é muita covardia”, afirmou.

Como deve ser a abordagem a uma pessoa em surto psicótico? Sem Barreiras foi ao site da BVS Atenção Primária em Saúde, aqui, e tirou de lá o que segue: “o principal a ser avaliado em um surto psicótico é se há risco de violência física ou não”. Se houver, deve ser chamada ajuda. “Em caso de uso de armas, a polícia deve ser acionada. Pacientes violentos devem ser contidos fisicamente por, no mínimo 5 pessoas, cada uma com uma função específica, agarrando os pés e as mãos”. O assunto também é pauta de discussão no Senado Federal. Segundo a Agência Senado, o senador Alessandro Vieira (MDB/SE), apresentou o PL 922/2024, que estabelece regras para a abordagem policial a pessoas em situação de crise de saúde mental. “De acordo com o PL 922/2024, a contenção física só deve ocorrer quando se esgotarem todos os recursos de mediação”, escreveu a Agência. Nem as orientações médicas nem a recomendação legislativa cita o uso de força letal, o que se choca com o treinamento que as polícias militares recebem em seus quartéis.

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