Falta oportunidade, não capacidade

28/03/2021 Deficiência Intelectual, Notícias 0
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Falta oportunidade, não capacidade
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Foto vertical com um homem à direita, de óculos, barba, blusa verde e calça jeans; à esquerda, uma mesa com uma bandeja com uma garrafa, copos e xícaras, celulares, papel e uma mão

Alexandre Mapurunga

Grandes debates sobre garantia de direitos foram destacados no último domingo, 21 de março, por se tratar de um dia bastante significativo e de extrema importância para diversos movimentos.

É nessa data que se celebra o Dia da Infância, uma iniciativa do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), que tem como objetivos diretos promover condições de vida favoráveis e assegurar direitos fundamentais às crianças.

O dia 21 de março também é lembrado e reconhecido pela ONU como Dia Internacional da Síndrome de Down, justamente porque a data funciona como uma alusão direta à característica-base da síndrome: a trissomia do cromossomo 21.

Educação inclusiva

São muitas as interseções possíveis entre as duas temáticas associadas ao dia 21 de março, especialmente quando se tem em vista que uma das principais questões a serem tratadas em relação às vivências de pessoas com síndrome de Down é a educação inclusiva.

Mais do que transmissoras de conhecimentos teóricos, em um padrão conteudista que muitas vezes é tratado como prioridade, as escolas são essenciais para o desenvolvimento das capacidades e relações sociais de cada indivíduo, com ou sem deficiência.

Em entrevista ao Portal da Liga, Alexandre Mapurunga, assessor técnico da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa, afirma que no Brasil houve muitos avanços no que se refere às políticas de educação inclusiva, especificamente nas últimas décadas.

Para Alexandre, tais avanços representam um avanço político muito grande, pois “permitiram que as pessoas com deficiência de uma forma geral, em especial as pessoas com síndrome de down, pudessem participar de escolas regulares, junto aos demais indivíduos.”, comenta.

Infância e vivências

A estudante Alice Pontello, de 18 anos, e seu pai, o advogado João Eduardo Hass, concordam que não existem grandes diferenças nas vivências da maioria das crianças com síndrome de down em relação a crianças sem deficiência. Todas elas passam por experiências muito semelhantes e características da infância.

Passeios, interações com familiares e amigos, brincadeiras e atividades escolares regulares são algumas das práticas comuns que vêm à memória de Alice, que demonstra, ainda, interesse por músicas de diversos gêneros.

Políticas públicas e educação inclusiva

Na avaliação da estudante, são necessárias políticas públicas que deem mais oportunidades e inclusão para pessoas com síndrome de down na escola e no mercado de trabalho, além de ser importante que o governo adote medidas que cumpram o papel de lidar e combater o preconceito e o bullying. “Deve-se ajudar no desenvolvimento de pessoas com síndrome de Down, fazendo campanhas nas escolas, nas faculdades, no mercado de trabalho. Devem garantir vagas, pelas cotas, para que as pessoas possam demonstrar que são capazes.”, Alice argumenta.

A necessidade dessas políticas parte também dos problemas de inclusão que João Eduardo afirma notar a partir do ensino fundamental, quando a deficiência intelectual começa a fazer uma diferença em um sistema competitivo como o que se vê hoje dentro das escolas, onde as notas e o conhecimento formal são vistos como mais importantes do que o lado social, a integração e o conhecimento de mundo que poderia estar sendo vivenciado nas escolas. Por conta disso, certa distinção passa a acontecer.

Consultor de inclusão social e membro do Empoderamento Down, Hass questiona a crença que se tem sobre a ideia de que o papel preponderante da escola é gerar um acúmulo de conteúdo, fazendo com que aquele que não acompanha muito bem esses conteúdos seja discriminado. A inclusão é essencial e, para que ela ocorra, é importante que a escola seja aberta para todos, entendendo e interagindo com suas especificidades.

“A escola é um lugar de encontro da sociedade, onde toda a sociedade deve estar junto: pessoas com ou sem deficiência, pessoas com saberes e conhecimentos diferentes. O papel da escola, ao meu ver, é incluir todos, de maneira que o conteúdo perpasse pelos níveis de assimilação de cada um, usando as linguagens de cada um”, afirma.

João Eduardo com sua filha Alice

Conquistas em resposta ao capacitismo

Uma extensão da forma como o sistema educacional tende a atuar se mostra também na subestimação das capacidades de pessoas com síndrome de down, assim como a estigmatização desses indivíduos.

Alice considera absurdos e preconceituosos esses pensamentos. Para ela, o real problema seria a falta de apoio e oportunidade, uma vez que os portadores da síndrome são pessoas plenamente capazes.

João Eduardo complementa, afirmando ser necessário tratar as pessoas com síndrome de Down como verdadeiramente são: seres humano comuns, com direitos e vontades próprias; sendo essencial acreditar, interagir e potencializar essas pessoas e suas capacidades, impulsionando-as para que vivenciem todas as experiências que desejarem.

Em contrapartida ao capacitismo, a estudante comenta: “A gente é muito capaz, mas a gente precisa de ajuda e apoio também. Então a sociedade precisa apoiar, mostrar caminhos e acreditar. “. Em relação a isso, cita novamente a necessidade de medidas como campanhas em variados âmbitos e garantia de vagas, para que as pessoas possam verdadeiramente exercer suas capacidades.

Já não são incomuns órgãos públicos, instituições e empreendimentos que estão dando oportunidades para jovens com síndrome de down serem melhor inseridos no mercado de trabalho. Pode-se citar, também, Luana Rolim, a primeira vereadora da história do Brasil com síndrome de down, que tomou posse na cidade de Santo Ângelo (RS) ainda no mês de março.

Tudo isso demonstra e confirma o que João Eduardo relata: “Nós temos muitos exemplos de pessoas que estão brilhando”. É o caso da própria Alice, que é, hoje, candidata a representante de turma na escola onde estuda há um ano. Então, o que precisa ser feito por parte da sociedade é apoiar, mostrar caminhos e acreditar. “Assim não temos limites”, afirma Alice.

Atuação do Estado

Os avanços recentes citados por Alexandre Mapurunga no início do texto foram postos à prova por medidas retrógradas, a exemplo do decreto nº 10.502, de 2020, editado pelo Governo Bolsonaro, que incentiva a separação, nas escolas, de pessoas com deficiência dos demais estudantes.

A medida foi suspensa após ser contestada por uma ação movida no Supremo Tribunal Federal (STF) pela Federação Brasileira de Associações de Síndrome de Down; a Associação Brasileira para Ação pelos Direitos das Pessoas Autistas (Abraça), da qual Alexandre faz parte; e a Coalizão Brasileira pela Educação Inclusiva.

A mobilização por avanços sociais se destaca mais ainda em meio a constantes tentativas de desmonte de direitos, como a citada. “Estamos vivendo um momento de retrocessos na educação inclusiva e nos direitos das pessoas com síndrome de down e de pessoas com deficiência de maneira geral, então é um momento de luta”, argumenta Alexandre.

* Matéria de Clarice Canuto, do site LIGA Experimental de Comunicação

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