Síndrome de Down não é doença


Aos 19 anos, Madeline Stuart já desfilou duas vezes na New York Fashion Week, um dos principais eventos de moda do mundo
O Dia Internacional da Síndrome de Down é uma data para festejar, homenagear e, mais importante, quebrar paradigmas e preconceitos contra as pessoas com a chamada Trissomia do 21. A primeira menção à Síndrome de Down data de 1862, do médico britânico John Langdon Down. Já se vão 159 anos e as pessoas com a Síndrome ainda enfrentam resistências e questionamentos acerca de suas possibilidades e direitos. Também encaram dúvidas sobre o que é a Síndrome de Down. É uma realidade de todas as pessoas com deficiência no nosso país e é nossa obrigação esclarecer algumas dessas dúvidas e contribuir para que esse público, que já passa dos 40 milhões de brasileiros e brasileiras sejam tratados com respeito e dignidade. O dia 21 de março foi escolhido para ser o Dia Internacional da Síndrome de Down pela Down Syndrome International, organização internacional comprometida em melhorar a qualidade de vida de pessoas com a trissomia, mundo afora. A data, 21/03 ou 3-21, no idioma inglês, faz alusão à trissomia do cromossomo 21. As pessoas com Síndrome de Down possuem 47 cromossomos ao invés dos 46 das demais pessoas. No par 21, por razões ainda desconhecidas, o embrião desenvolve um terceiro cromossomo, que fornece o material genético extra que dá as características típicas do Down.
A Síndrome de Down, portanto, não é uma doença. Ela é um conjunto de características genéticas que formam a pessoa. Doença é um distúrbio das funções de um órgão, da psiquê ou do organismo como um todo. A causa é conhecida e pode estar em fatores externos, como infecções, ou disfunções ou malformações internas, como no caso das doenças auto-imunes. Não se sabe por que ocorre o erro na divisão celular que gera um terceiro cromossomo e a Síndrome de Down não se caracteriza por um distúrbio em qualquer órgão do corpo. Assim sendo, por não ser uma doença, a Síndrome não tem cura nem é contagiosa. Algumas das características do Down são: olhos oblíquos semelhantes aos dos povos orientais, rosto arredondado, hipotonia (diminuição do tônus muscular, deixando o bebê mais molinho e com dificuldades motoras, de mastigação, deglutição), mãos menores, atraso na fala, comprometimento intelectual e outros. Não é verdade que as pessoas com Síndrome de Down têm a sexualidade mais aflorada ou são mais carinhosas ou mais agressivas. Como qualquer outra pessoa, esses comportamentos variam.
João Eduardo, que assinou a coluna Mundo para todos: A Pessoa com Síndrome de Down, em Sem Barreiras, afirma que a pessoa com Down será mais agressiva ou mais carinhosa dependendo do tipo de educação e estimulação que ela recebeu. “Estimular a criança com Síndrome de Down desde cedo é essencial para o seu desenvolvimento (…) ela precisa de mais tempo da família e de especialistas para adquirir e aprimorar as suas habilidades. Uma boa estimulação, realizada nos primeiros anos de vida, pode ser determinante para a aquisição de capacidades em diversos aspectos, como o desenvolvimento motor, a comunicação e a cognição”. Leia mais aqui. A estimulação também é fundamental para o desenvolvimento profissional da pessoa com Down. Sim, estou me referindo a trabalho. Mais uma vez, devemos colocar a pessoa com Down em um contexto social. Todas as pessoas sem deficiência trabalham? Não. Por quê? Por variadas razões. O mesmo vale para quem tem a Síndrome. Aqueles que receberam estimulação desde pequenos, inclusive educacional, têm mais chances de ingressar no mercado profissional.

Mãe solteira decidiu adotar dois bebês com Síndrome de Down
Existem dezenas e dezenas de histórias para se contar. Um exemplo é o da australiana Madeline Stuart que, aos 20 anos, realizou seu sonho de se tornar modelo profissional. A espanhola Marián Ávila também se encontrou nas passarelas da moda. A catarinense Georgia Traebert é influenciadora digital com mais de 140 mil seguidores no seu perfil no Instagram. Na Itália, todos os funcionários do hotel Albergo Etico têm Síndrome de Down. E os exemplos continuam: a professora Débora Seabra, do Rio Grande do Norte, foi a primeira professora com Down a receber o Prêmio Darcy Ribeiro de Educação, em 2015. Em 2017, foi lançado o longa Cromossomo 21, do diretor Alex Duarte, que conta a história do relacionamento de Vitória, que tem Síndrome de Down, e Afonso, que não tem. Vitória é interpretada pela atriz Down Adriele Pelentir. Ainda nas artes, o pintor Lúcio Piantino deixou a escola, cansado de sofrer com o preconceito de colegas e professores por ter Síndrome de Down, e seguiu os passos da sua genética. Filho e neto de artistas plásticos, se tornou um dos melhores pintores de sua geração, participando de mais de dez exposições no Brasil e na Itália. A política também foi “invadida”. Na Espanha, Ángela Bachiller se tornou a primeira vereadora com Down, no mundo, tomando posse aos 29 anos de idade na Câmara de Valladolid. No Brasil, Luana Dallacorte Rolim de Moura (PP/RS), 26 anos, assumiu como suplente uma cadeira na Câmara de Vereadores de Santo Ângelo/RS.
Educação – “Se os governadores não construírem escolas, em 20 anos, faltará dinheiro para construir presídios”. A frase foi dita pelo antropólogo e educador Darcy Ribeiro (1922-1997), em 1982, e foi profética. A educação é a base de tudo e, logicamente, as pessoas com Síndrome de Down estão incluídas nesse universo. Até pouco mais de dez anos atrás, crianças com a Síndrome eram matriculadas em escolas especiais, junto com outras crianças com a mesma condição. Isso mudou com a promulgação da Lei Brasileira de Inclusão, em 2015, pela ex-presidenta Dilma Rousseff (PT), que determinou que as escolas regulares deveriam receber, sem cobrança de taxa adicional, crianças com deficiência. A reação dos diretores de escolas particulares foi imediata, tentando derrubar esse item nos tribunais superiores e afirmando não ter condições para receber crianças com deficiência sem a cobrança da taxa. Foram derrotados, mas a situação está longe de ser resolvida.
João Eduardo, colunista de Sem Barreiras, defende a inclusão das pessoas com deficiência nas escolas regulares, afirmando que as particularidades de uma criança não podem ser impeditivos para a inclusão. Cita as crianças negras e as mulheres e pergunta se elas deveriam também ser matriculadas em escolas especiais por terem suas particularidades. No texto A Escola e o Adolescente com Síndrome de Down, ele escreve: “Todos os agentes envolvidos no processo educacional, pais, diretores, professores, técnicos, alunos, precisam estar conscientes das vantagens da diversidade para um bom aprendizado. O desenvolvimento integral do indivíduo, com ou sem deficiência, só será obtido quando lhe derem oportunidade de aprender com as diferenças, em todas as esferas do conhecimento”. A professora Nildes Alencar Lima, ex-secretária municipal de Fortaleza, segue na mesma direção e afirma que “é obrigação do educador acolher todas as crianças que querem aprender e criança não tem preconceito, ela vê o outro deficiente como mais um amiguinho para brincar”. O jornalista Adilson Nóbrega, pai do pequeno João Lucas, de cinco anos, em depoimento gravado para o BarreiraCast (o link está no início desse texto), podcast do Sem Barreiras, concorda com a professora. “O João brinca com as irmãs e os amiguinhos, normalmente, sem ser discriminado nem evitado por elas”, conta. Adilson é pai também de Karen, 11 anos, e Kamila, de 11 meses.
Pessoas com Síndrome de Down precisam de oportunidade e respeito. Para elas, assim como para todas as pessoas com deficiência, o céu é o limite. Se elas vão buscar seu limite é uma decisão que cabe a elas. A sociedade não pode nem deve impor esses limites.
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